Em
1998, depois de mais de duas décadas, a UFBA realizou concurso
para professor titular, e o fez simultaneamente em todos os seus
departamentos. Na cerimônia de investidura, falou um representante
de cada área da Universidade, com direito ao tempo de cinco
minutos. Abaixo, a minha fala pela área de humanas
para exatos cinco minutos.
Senhor
Reitor, demais autoridades, senhores convidados, senhores estudantes,
colegas professores:
Contam
que quando D. Pedro passou pela Bahia, o ilustre professor que
o guiava em visita real à sua escola (creio que uma faculdade)
desculpou-se por não tirar o chapéu na presença
do Monarca, pois, disse ele, não faria bem aos meus
alunos imaginar que exista alguém acima de seu mestre.
Entendo que, no caso, não se tratava, com certeza, de um
professor titular, que essa não será, em absoluto,
a posição de um professor titular diante de seus
alunos, muito menos diante de seus colegas ou da sociedade. Nem
pompa, nem reedição de qualquer traço de
ancien régime mas, sobretudo, uma disposição
de trabalho. Participo, assim, da expectativa do Senhor Reitor
e dos colegas com quem pude conversar, de que o numeroso contingente
dos que ora assumimos a honrosa função de titulares
poderá representar, com seu trabalho - sem chapéu,
e de mangas arregaçadas - uma contribuição
sensível à qualidade e à eficiência
dos nossos cursos, bem como ao desenvolvimento da investigação
e da produção de conhecimento na nossa Universidade.
Dentro
de uma variedade de perfis pessoais, e da particularidade das
circunstâncias que cercam cada um, imagino que os professores
titulares devam caracterizar-se, nas suas respectivas áreas,
antes de mais nada, como gente que faz e motiva a
fazer. Como gente disposta a fazer junto com os outros
com seus colegas, com os estudantes -, concorrendo para promover
projetos acadêmicos integrados, adequados às condições,
ao perfil e à vocação, em aprimoramento,
de seus respectivos cursos e departamentos. 1) Objetivando cursos
onde se dê um aprendizado real, socialmente relevante. 2)
objetivando a promoção da investigação
e da publicação inclusive estudantil. 3)
e, finalmente, objetivando integrar essas atividades ao conjunto
da universidade, e em última instância (ou também
primeira) à comunidade, à região e ao país.
Como
professor titular de filosofia, faço parte da extensa e
diversificada área das humanas, que inclui,
além da Faculdade de Filosofia (sua sede e alma mater),
as faculdades ou escolas de direito, economia, educação,
administração, contábeis, informação,
comunicação. Mas a filosofia e as ciências
humanas se articulam também com as chamadas ciências
duras, também com as engenharias, também com a área
de saúde, também com as letras e com as artes. Pois,
afinal de contas, todos os saberes e competências universitários
nós os queremos humanos, sociais, abertos, além
de dotados de imaginação e sensibilidade, e de ética,
tanto quanto os queremos técnicos, competentes e rigorosos.
Essa integração, creio eu, é a própria
alma da universidade, e poderia ser visada de modo especial pelos
professores titulares das diferentes áreas.
Consta
que aquela pirâmide que vemos na cédula de um dólar,
com um olho no topo, significa que, por qualquer lado que você
ascenda, do alto se descortina a mesma visão abrangente,
integradora. Ressalvadas as implicações místicas
e as ambições metafísicas desse simbolismo,
e também ressalvado que os titulares estão longe
de ter chegado a qualquer cume ou tópos ouránios
(a altura de seu salário, pelo menos, não é
nada vertiginosa), é fato que eles podem estar, depois
do bom percurso que escalaram, em posição de contribuir
para aquela abrangência e integração, para
articulações e interfaces entre diferentes racionalidades
(como na idéia, já levantada entre nós, de
um fórum de titulares)...
Sempre
em comunidade com a cidadania, também, para que a universidade
possa responder aos grandes desafios e mesmo ameaças que
hoje enfrenta. Com senso crítico, mas igualmente
digo, para concluir - auto-crítico. Como no caso daquele
velho professor da Universidade da Califórnia, Berkeley
(esse, sim, titular), que, perguntado sobre como sua universidade
havia se tornado um tamanho e tão rico depósito
de conhecimento, respondeu modestamente: Talvez porque os
que entram (os calouros) nos tragam tanto, e, em compensação,
os que saem (os concluintes) levem tão pouco. Que
a segunda parte de sua conjectura, entre nós, não
se verifique.
Muito
Obrigado. (JCS) |