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José Crisóstomo de Souza
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Trecho (do cap. IV) de A filosofia no Brasil, de Sílvio Romero (1876). Ed. José Olympio, 1969

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Na história do desenvolvimento espiritual no Brasil há uma lacuna a considerar: a falta de seriação nas ideias, a ausência de uma genética. Por outros termos: entre nós um autor não procede de outro; um sistema não é uma consequência de algum que o precedeu.É uma verdade afirmar que não temos tradições intelectuais no rigoroso sentido. Na história espiritual das nações cultas cada fenômeno de hoje é um último elo de uma cadeia; a evolução é uma lei: seja a Alemanha o exemplo.Na história da música Gluck, Haydn, Mozart, Beethoven sucedem-se por necessidade do desenvolvimento da arte; um é a continuação progressiva do outro. Na evolução filosófica Kant dá Fichte; este dá Schelling, e, por uma razão imanente ao sistema, aparecem, ao mesmo tempo, Hegel e Schopenhauer. Hartmann é um corolário, como o são Büchner e Moleschott, e como o foram Strauss e Feuerbach. Em todos os ramos intelectuais a lei se acha aplicada.Neste país, ao contrário, os fenômenos mentais seguem outra marcha; o espírito público não está ainda criado e muito menos o espírito científico. A leitura de um escritor estrangeiro, a predileção por um livro de fora vem decidir da natureza das opiniões de um autor entre nós. As ideias dos filósofos, que vou estudando, não descendem umas das dos outros pela força lógica dos acontecimentos. Nem, talvez, se conheçam uns aos outros na maioria dos casos, e, se conhecem-se, nenhum aproveitou do antecessor, com a exceção, que já foi feita, para o Sr. Magalhães. São folhas perdidas no torvelinho de nossa indiferença; a pouca, ou nenhuma, influência que hão exercido sobre o pensamento nacional explica essa anomalia. Não sei que relação lógica haverá entre o Dr. Tobias Barreto e o padre Patrício Muniz; um leu São Tomás e Gioberti e fez-se teólogo e sectário apriorista do absoluto; o outro Schopenhauer e Hartmann, depois de haver lido Comte e Haeckel, e tornou-se um crítico imbuído da grande ideia da relatividade evolucional e um tanto impregnado de salutar pessimismo. Que laço os prende? Não sei. É que a fonte onde nutriram suas ideias é extranacional. Não é um prejuízo; antes equivale a uma vantagem.O cosmopolitismo contemporâneo, de que, pela força das conquistas comerciais, partilhamos também um pequeno quinhão, traz à humanidade destes resultados: espíritos vivazes de nações toscas e atrasadas, arrebatados pela rápida corrente das grandes ideias, que fecundam os povos ilustres da atualidade, deprimidos os pátrios prejuízos, conseguem alçar a fronte acima do amesquinhamento geral, e embeber-se de uma nova luz. Vejo nesse fenômeno uma exceção aberta à lei da ação do meio social, que às vezes é mesquinho, em prol da civilização que irradia noutra parte. A luta pela cultura consegue afinal triunfar até entre os povos sistematicamente atrasados, como o nosso.Os filósofos brasileiros não se prestam, repito, a uma classificação lógica, filha das leis que presidem ao desenvolvimento dos sistemas, não existindo estes aqui. Forçado a apresentar uma, ela seria em três grupos:a) escritores educados sob o regime do sensualismo metafísico francês dos primeiros anos deste século [XIX] e que passaram para o ecletismo cousiniano;b) reatores neocatólicos filiados às doutrinas de Gioberti e Rosmini, ou às de Balmes e Ventura;c) e afinal espíritos que se vão emancipando sob a tutela das ideias de Comte ou as de Darwin.

 

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